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Bilinguismo & desenvolvimento da linguagem

Bilinguismo & desenvolvimento da linguagem

Nos dias atuais, tem sido comum, crianças serem expostas a ambientes bilíngues. Com a expansão da diversidade cultural, dos fatores econômicos, é muito comum, casais de diferentes nacionalidades passarem a viver juntos ou então, cada vez mais, os pais têm buscado escolas bilíngues para que seus filhos possam aprender desde cedo, uma outra Língua. O chavão “quanto mais cedo, melhor”, aplica-se ao aprendizado de uma segunda Língua.
No entanto, se de um lado, apesar de intuitivamente saber que expor um bebê ou uma criança pequena a uma outra Língua poderá trazer muitos benefícios, por outro lado, ainda existe muitas dúvidas sobre este tema. São muitos os questionamentos, e ainda, são poucos os estudos específicos. Muitos questionamentos são feitos, por exemplo, pais com diferentes nacionalidades, questionam, qual Língua deve ser usada com a criança? A criança terá a habilidade de aprender duas Línguas ao mesmo tempo? Se for falado duas ou mais Línguas no ambiente familiar, não ficará confuso para a criança? Ou será melhor usar a mesma Língua falada na escola? E possivelmente, uma das questões, mais frequente feita pelos pais é: o bilinguismo não irá atrasar o desenvolvimento da fala e da linguagem da criança?
Para muitos casos, como escreveu Annick De Houwer, da Universidade de Antwerp, na Bélgica, “o ambiente bilíngue não é mais uma escolha, mas sim uma necessidade”.
Uma criança pode aprender uma segunda Língua de formas diferentes: simultaneamente à aquisição de sua Língua materna ou nativa (até os 3 anos de idade) ou por aquisição sucessiva (quando ocorre após os 3 anos, por exemplo, com o ingresso em uma escola bilíngue).
Alguns estudos discutem e apresentam as vantagens do bilinguismo, tais como: contribuição para o desenvolvimento cognitivo, das habilidades meta-cognitivas, maior flexibilidade cognitiva, mais habilidade para aprender novas palavras. Indivíduos bilíngues são mais hábeis para discriminar informações relevantes das irrelevantes, aumento da capacidade de processamento da linguagem, principalmente quanto ao processamento fonológico e sintático.


Desenvolvimento da fala e da linguagem

Um bebê ao nascimento comunica-se basicamente por meio do choro, que de indiferenciado, vai gradativamente tornando-se diferenciado. Aos 2/3 meses aparecem as vocalizações, seguidas do balbucio e do início da produção de segmentos silábicos, até culminar, nas primeiras palavras, por volta dos 12/13meses. Essa fase pré-lingüística é importante para o desenvolvimento da oralidade; a criança é mais receptora e está atenta aos estímulos que recebe do meio onde vive.
Ouvir músicas é uma forma importante de estimular o desenvolvimento da linguagem. No livro Musicophilia (premiado como um dos melhores livros de 2007 pelo Washington Post), o Neurologista Oliver Sacks, discute que a música ativa mais regiões do cérebro do que a linguagem. Isso significa que crianças têm maior facilidade de aprender novas palavras por meio da música. Este argumento embasa o uso constante de música em escolas que ensinam línguas estrangeiras para crianças.

Existe uma idade ideal para expor as crianças a uma segunda Língua?
Se o ambiente familiar é bilíngue, a criança pode desde do nascimento (já existe estudo apontando que, ainda na gestação, os bebês já podem ser sensíveis linguisticamente ao bilinguismo), ser exposta à duas ou mais Línguas. Quando não for, uma opção aos pais são as escolas bilíngues – bilinguismo sucessivo, após os 3 anos de idade. Quanto mais cedo à exposição maior o domínio que a criança poderá ter da Língua. Inclusive, estudos comparando a atividade cerebral de crianças monolíngues e bilíngues, mostram que em crianças bilíngues, as regiões da área da linguagem no cérebro se sobrepõem, ao contrário, de falar duas Línguas quando adultos, onde áreas cerebrais diferentes são ativadas. O cérebro infantil sintoniza-se com os sons das Línguas durante este período sensível no desenvolvimento, ou seja, os bebês são mais capazes de distinguir os sons das diferentes línguas.
O que os pais podem fazer para ajudar em casa, por exemplo, quando os filhos estudam em escolas bilíngues?
Os pais podem criar oportunidades para estimular e incentivar a aprendizagem da Língua, lendo histórias infantis, músicas, jogos, brincadeiras. Os pais podem criar situações para expor a criança à Língua, como viagens ou filmes, mas isso deve ser feito de forma natural, tranquila, estimuladora e incentivadora. Ansiedade ou cobrança excessiva pode ser muito prejudicial.

Uma criança que só aprende Português, por exemplo, ela irá começará a falar por volta dos 2 anos, mais ou menos, mas se ela aprende Português e Inglês, isso vai demorar um pouco mais? Resumindo, o bilinguismo pode causar um atraso no desenvolvimento da fala e da linguagem?
Um criança com desenvolvimento normal de linguagem, começa a falar por volta de 1 ano e aos 2 anos já pode iniciar pequenas frases. Não existe até o momento, evidências científicas de que o Bilinguismo pode ocasionar atraso no desenvolvimento da linguagem. Muitas crianças são bilíngues e o desenvolvimento da fala aparece no período em que é esperado mesmo, sem atrasos.
O processo de aquisição e desenvolvimento da fala e da linguagem de uma criança ocorre em fases e etapas. Existem as variações, aquilo que as pessoas, comumente comentam que cada criança tem seu ritmo próprio, e isso acontece mesmo. Mas essas variações geralmente são de dois a quatro meses, não mais do que isso. O importante é os pais saberem, que apesar de existir as variações individuais, existe sim os marcos, os períodos onde certos desempenhos são esperados e quando isso não ocorre é importante sim, observar mais atentamente e na dúvida, sempre procurar uma ajuda profissional.
Sobre a hipótese que uma criança que fala uma segunda língua pode demorar mais, é preciso considerar o que é esse “demorar mais”, pensar em dois ou até três meses mais tarde, pode ser justificado pela variação individual da criança, mas muito mais que isso, pode ser que esteja acontecendo uma confusão. Infelizmente, ainda tem muitas crianças, que tem sim, uma dificuldade específica para o desenvolvimento da linguagem e muitas vezes, isso é atribuído ao bilinguismo e aí prevalece o “aguardar que logo a fala aparece”. Sob esse jargão, alguns problemas podem estar sendo mascarados ou desconsiderados e aí perde-se a oportunidade de intervir precocemente, em um problema de linguagem.

Existe uma condição clínica, o Distúrbio Específico de Linguagem (Specific Language Impairment), que caracteriza-se por uma dificuldade específica para adquirir e desenvolver a linguagem. Geralmente, são crianças normais, que ouvem bem, que são inteligentes, que podem ter uma compreensão adequada, no entanto, a fala não se desenvolve conforme o esperado, é um dificuldade na linguagem expressiva. A criança que possui uma predisposição para apresentar um transtorno para o desenvolvimento da linguagem irá manifestar as dificuldades linguísticas, independente de quais e quantas Línguas são utilizadas. Os pais devem estar atentos a isso, senão o que é de fato uma dificuldade pode ser atribuído erroneamente ao bilinguismo.

Um outro aspecto que também é importante destacar, que muitas crianças bilíngues “travam” no desenvolvimento da fala e da linguagem, não porque apresentam algum transtorno, mas sim devido às questões ambientais, ou seja, devido à forma como o ensino da Língua ocorre dentro de casa. Ansiedade e cobrança excessiva podem “travar” a criança e não necessariamente o bilinguismo em si.

Dicas como “não completar a frase das crianças”, “não corrigir muito os erros”, valem tanto para a língua mãe como para a estrangeira?
As dicas geralmente passadas para as crianças que estão adquirindo e desenvolvimento a língua materna também são válidas para a aquisição de uma língua estrangeira, ou seja, independente da língua, toda criança necessita de um ambiente linguístico favorável, que significa proporcionar estímulos à criança, respeitar seu tempo, sem cobranças excessivas.
Muitos pais desistem de falar sua Língua quando os filhos começam a “confundir” ou a usar a Língua falada na escola, com os amigos. Outros acabam sendo muito exigentes e forçam uma determinada Língua dentro de casa, a ponto de interferir na interação, na relação com os filhos. A melhor forma de estimular uma Língua é criar um ambiente natural e positivo.
Incentive boa música, leitura de livros e oportunidades para conversar. Essas estratégias desenvolvem a capacidade de compreensão, de expressão, o conhecimento geral e a criatividade.
Se for detectado algum tipo de atraso ou “dificuldade”, como a criança que fala como o Cebolinha, é valido ter algum tipo de cautela em relação ao aprendizado de uma segunda língua?
Conforme já descrito anteriormente, crianças podem apresentar uma dificuldade no desenvolvimento da fala (independente da Língua utilizada), o cuidado que os pais devem ter é que se observarem alguma dificuldade, procurem uma orientação profissional, um Fonoaudiólogo Especialista em Linguagem Infantil, para uma avaliação e para receberem as orientações necessárias.
Quando uma criança apresentar um “erro”, não corrija excessivamente, pois isso pode inibir o desenvolvimento natural da Língua. Uma das estratégias mais efetivas é retomar/repetir o que a criança disse, fornecendo o modelo correto.
Também é importante lembrar que crianças que “misturam” as Línguas durante uma conversa, por exemplo, “Mamãe, where´s my sapato?” não é sinal de confusão ou de problema e isso é comum em ambientes bilíngues.

Referências consultadas:
Marian, V. et.al. Bilingualism: Consequences for Language, Cognition, Development and the Brain. The American Speech-Language- Hearing Association Leader, October, 2009.
Bialistok, E. Bilingualism in Development: Language, Literacy, and Cognition. New York: Cambridge University Press, 2001.

Dra. Elisabete Giusti - Fonoaudióloga, Especialista em Linguagem Infantil, Doutora em Linguística pela Universidade de São Paulo. [www.atrasonafala.com.br]
contato@atrasonafala.com.br

* Parte desta matéria foi publicada no Anuário do Bebê 2012 (Revista Caras). 

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