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Como ajudar uma criança não-verbal (ou seja, que não fala) e que tem Apraxia a se tornar verbal?


A Apraxia de Fala na infância é um distúrbio motor da fala (neurológico), onde a criança não consegue planejar, programar e executar os movimentos da boca, necessários para falar.
A Apraxia pode se manifestar de algumas formas, como desde a ausência total de fala (crianças que não falam), até formas rudimentares de fala, com um repertório muito reduzido de sons e de palavras, ou então, até uma fala não inteligível (a criança fala, mas muito errado, que até mesmo os pais, acabam não conseguindo entendê-la).
Escrevi esse texto pensando, nas crianças que tem Apraxia e que não falam, ou seja, que são não-verbais. Pretendo aqui, apresentar algumas dicas de como os profissionais, e os pais, poderão utilizar para que as crianças se tornem verbais.
A capacidade de IMITAÇÃO é essencial para o desenvolvimento como um todo, mas especialmente para o aprendizado da fala, é essencial. Nós humanos, desde muito cedo, somos capazes de imitar as expressões faciais, os sons, as palavras (hoje mesmo, estava na casa da minha cunhada e meu sobrinho que tem 14 meses, estava comendo, e a mamãe disse, “você precisa comer tudo”, rapidamente ele repetiu “tudo”), a entonação, os gestos, as ações, etc.
Muitos bebês, antes até de 1 ano, desenvolvem habilidades de imitação, para falar palavras como “mamãe, papai”.
Jean Piaget, considerado um dos mais importantes pensadores do século XX, fundador da Epistemologia Genética, a teoria do conhecimento baseada na gênese psicológica do pensamento humano, descreveu quatro estágios do desenvolvimento da imitação na infância. Estes estágios são comparados ao ato de construir uma casa, desde da fundação, estrutura, paredes e o telhado.
A capacidade de imitação é uma habilidade linear, que possui certa ordem. A imitação está relacionada a capacidade de falar as primeiras palavras. Na criança esse processo terá que ser construído.
É importante todo Fonoaudiólogo saber que a criança com Apraxia tem muita dificuldade para aprender a imitar os sons da fala e as palavras. Muitas crianças com Apraxia foram bebês silenciosos, quietinhos, e podem não falar até os 3, 4, 5 anos ou até mais velhos. Um significativo atraso na fala expressiva frustra e enche os pais de preocupação. E aí vem a pergunta: “será que um dia ela vai falar?”
Entender os estágios da imitação que ocorrem nas crianças normais ou típicas, pode nos ajudar a entender a dificuldade das crianças com Apraxia. Enquanto os bebês normais desenvolvem esses estágios rapidamente e facilmente e estão completos até por volta de 1 ano, as crianças com Apraxia, tem muito mais dificuldades, é um grande desafio para elas:
Surgimento tardio: muitas crianças com Apraxia não iniciam o processo de imitação na idade esperada;
Maturação lenta: a maioria das crianças com Apraxia demoram mais para avançar de um estágio para outro;
Estagnação: muitas crianças com Apraxia ficam estagnadas, paradas em um estágio e não progridem
Inabilidade: crianças com apraxia severa poderão nunca atingir todos os estágios
Pular estágios: algumas crianças, poderão avançar para outros estágios mais rapidamente, pulando etapas anteriores ou deixando-as incompletas.
O objetivo deste texto é descrever dicas para ajudar a criança com Apraxia a ser mais vocal e a aprender a imitar a fala.
Bebês passam muito tempo ensaiando sons antes das primeiras palavras surgirem. É a fase das pré-vocalizações, que são os sons generalizados, produzidos espontaneamente, que inicialmente, não correspondem a alguma idéia específica ou significado. Por exemplo, um grunhido é uma pré-vocalização (um bebê pode fazer um grunhido para indicar que está com a fralda suja, por exemplo). Bebês produzem muitos sons, gritinhos, sussurros, murmúrios, risadinhas, sons guturais, sons nasais, vogais. Por volta dos 6 meses de idade, os bebês aprendem a falar consoantes e começam a combinar uma consoante com uma vogal (GU GU DA DA). Por volta dos 6 meses até 1 ano e meio, os bebês vão aumentando a complexidade destas combinações em sequencias, é a fase do balbucio.
Bebês que são vocais, gostam e se divertem fazendo essas pré-vocalizações e passam muito tempo, experimentando, testando, praticando, uma variedade de pitch, intensidade, ressonância, tensão, sonoridade. O jogo vocal, esses ricos ensaios e experimentações com uma larga variedade de sons, ajudam os bebês a aprender os aspectos mais primitivos da capacidade de imitação da fala. Os bebês passam a brincar com os sons. Esses jogos vocais ajudarão a criança a “construir sua casa de imitação”.
Como essas habilidades de pré-vocalizações e de jogo vocal se relacionam com a criança com Apraxia?
Bebês com Apraxia gastarão menos tempo com as pré-vocalizações ou então até, não terão. Gastarão menos tempo tentando descobrir como fazer os sons, gastarão menos tempo se ouvindo e desenvolvendo uma boa discriminação de sua própria voz. Gastarão menos tempo “sentindo” as pré-vocalizações e com isso, não irão desenvolver as habilidades táteis e proprioceptivas para produzir os sons da fala. Os bebês com Apraxia serão lentos para aprender como produzir os sons espontaneamente.
A primeira tarefa para ajudar no desenvolvimento da capacidade de imitação da criança com Apraxia é encorajá-la a produzir uma variedade de sons espontaneamente e experimentar o jogo vocal. Isso não significa que são sons específicos, consoantes, vogais ou palavras, pois isso acontecerá mais tarde.
Esses sons para o jogo vocal são aqueles produzidos por bebês normais antes dos seis meses ou antes do balbucio. A meta é ajudar a criança com Apraxia a produzir mais pré-vocalizações para experimentá-las, para começar a reconhecer as semelhanças e diferenças entre elas de forma divertida, brincando.
Vocalizações específicas não são importantes. Na essência, o que é importante neste momento, é encorajar a criança a produzir sons e não a imitá-los (mesmo porque a imitação ainda não estará presente). Isso ajudará a criança a regular e a controlar seu próprio comportamento de fala.
Ouça sua criança: primeiramente, é importante descobrir o que faz sua criança com Apraxia a ser mais vocal. Ela é mais “barulhenta”, ela produz mais sons, quando ela está no carro? Ou quando ela está brincando na areia? Ou quando ela está brincando com tintas? Ou quando ela está cantando ou nadando? Ou quando ela correndo atrás de uma bola no quintal? Ou durante o banho?
Bebês emitem sons, para mostrar alguma coisa, para pedir, para rejeitar coisas. Mas eles também fazem muitos sons puramente para brincar com esta habilidade.
Momento do banho: é uma dos momentos mais importantes para estimular as pre-vocalizações. Como a criança é pequena, os sons produzidos reverberam no box do banheiro. Ela está cercada de objetos interessantes, como o sabonete, espuma, caixinhas, brinquedos. Durante o banho, os pais podem mudar o foco de “deixar a criança limpa” para “se divertir com ela, vocalizando, produzindo sons juntos”. A idéia é fazer “barulho”, produzir livremente muitos sons.
Hora de dormir e acordar: também é ótima oportunidade para produzir sons espontaneamente. Podemos incentivá-las a “tagarelar” quando estão indo dormir ou quando acordam. É a chamada “fala do berço”. Os pais também podem colocar um espelho perto da cama da criança para que ela possa se olhar enquanto produz o jogo vocal.
Cantar: Músicas ajudam muito! Uma criança não precisa falar para cantar. Durante as músicas ela pode produzir sons, pode experimentar, , descobrir, brincar. Cantar junto com um CD player, junto com a família, cante sozinha com sua criança. Dance e cante; faça um “chamego” e cante; cante com fantoches nas mãos. Não se preocupe se sua criança está aprendendo as palavras das músicas. Ensine a ela que cantar e fazer sons é muito divertido.
Caixas, travesseiros, casinhas: você lembra quando era criança e brincava de empurrar alguém, de pular em cima da cama, de se esconder embaixo do cobertor? Essas atividades são divertidas, são imaginativas. Crianças adoram sussurrar ou gritar dentro de caixas, porque elas podem se ouvir melhor. Essas são formas importantes que você poderá encorajar sua criança a emitir pre-vocalizações.
Tubos, embalagens: crianças amam brincar com tubos, rolo de papel toalha, pedaços de mangueira, canos, brincar de falar no telefone.
Brinquedos de explodir e de soprar: bolhinhas de sabão, flautas, apitos, gaitas, apagar velas, soprar língua de sogra, etc. Soprar não é falar, e o objetivo não é ensinar apenas a criança soprar, mas sim ensinar a criança a inspirar e expirar o ar com consciência e controle e que mais tarde será utilizado durante a produção dos sons da fala.
Jogos com sons: brincar de esconder e achar “achou!”; ou gritar quando encontrar “ahh”; “buuu” . Se a criança conseguir produzir esses sons, você deve criar múltiplas oportunidades durante a semana para ela praticar.
Sons de animais, de monstros, de veículos: antes de falar as primeiras palavras, as crianças aprendem a fazer os sons dos animais, o “miau” do gato; o “vroomm” do carro, etc, Esses sons são mais fáceis para a criança com Apraxia produzir
e também podem ser mais facilmente estimulados.
Microfones: reais ou de brinquedos podem ser muito uteis para incentivar a criança a produzir sons. A amplificação também permite a criança a ouvir sua própria voz.


Texto escrito por: Dra. Elisabete Giusti, Fonoaudióloga Infantil, Especializada em Transtornos Específicos do Desenvolvimento da Fala e da Linguagem. 
Ref.: Becoming verbal with Childhood Apraxia. Pam Marshalla

 

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